segunda-feira, 23 de março de 2009

DIREITOS HUMANOS - O ABORTO NO MUNDO




O aborto no mundo
Publicado em 12/06/2008 pelo (A) wiki repórter Claudius, São Paulo-SP


As leis de aborto no Brasil e no mundo


O que queremos ser: Primeiro Mundo ou Terceiro? O mapa abaixo retraía a relação dos países com o aborto. As nações com leis mais flexíveis são, em geral, as que resolveram melhor seus problemas sociais e económicos. Leia esta reportagem e entre no debate para pressionar o Congresso Nacional - se depender dos parlamentares, nossa legislação vai andar para trás


Alessandra Roscoe e Patrícia Zaidan


O Brasil sabe aonde quer chegar: briga por um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU no afã de ser fiador da paz mundial; com a economia aquecida, busca ampliar mercados para seus produtos; articula-se para ter influência geopolítica na América Latina e liderança sobre os países emergentes. Enfim, almeja ascender à nata económica e cultural do Primeiro Mundo. Mas, na contramão dessas aspirações, se alinha com o atraso quando o assunto é o direito sexual e reprodutivo. Em geral, as nações que criminalizam o aborto são as que exibem o pior desempenho social, os maiores índices de corrupção e violência e também os mais altos níveis de desrespeito às liberdades individuais.


A relação pode ser observada no Mapa da Legislação sobre o Aborto, que o Centerfor Reproductive Rights (Centro de Direitos Reprodutivos), ONG com sede em Nova York, montou ao pesquisar as leis em 196 países e estados independentes. Ele divide o planeta em cinco categorias - vermelho, vinho, laranja, azul e verde. Pela ordem, vai das leis mais duras às mais flexíveis. Mostra que o aborto é tratado no Brasil como no Haiti, no Paraguai e no Burundi. Nosso país faz parte do bloco vermelho com 68 nações - as mais pobres -, onde vivem 25,9% do povo global.


O curioso é que o Brasil vem fazendo a lição de casa e avançando em inúmeros selares, mas continua refém do moralismo no trato de uma questão feminina que não está na mão da mulher, mas sob tutela do Estado, como ocorre no autoritário Afeganistão, onde uma afegã tem a mesma autonomia que um animal doméstico.


Na outra ponta, a maioria dos países com leis flexíveis mantém os problemas económicos sob controle e a população tem maior bem-estar, caso de Alemanha, França, Portugal e Canadá. Segundo Carmen Hein de Campos, advogada brasileira ligada à ONG e que colaborou na execução do mapa, a posição da mulher nesses países também é melhor, a diferença salarial entre os sexos é menor e o nível educacional elevado, o que garante equilíbrio nas relações de género. Outra observação de Carmen: a influência religiosa sobre a saúde reprodutiva é reduzida nos países mais desenvolvidos.


O mapa ajuda a ampliar a refexão, que aqui setor na mais urgente, porque, se depender do Congresso Nacional, a situação vai se complicar.


No dia 7 de maio passado, o Projeto de Lei n° 1.135/91, que descriminaliza o aborto, sofreu uma amarga derrota na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). Ali, depois de cinco horas de confusão e insultos trocados entre parlamentares - onde o de bate não teve vez -, 33 deles aprovaram o parecer do relator Jorge Tadeu Mudalen (DEM-SP), que, em outras palavras, mantém a interrupção da gravidez como crime, com pena de um a três anos de reclusão. Sete deputados que defendiam o projeto saíram sem votar, em sinal de protesto. A matéria foi para a Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania, onde terá de ser travada uma batalha ainda mais dura antes de ir para a decisão final, no plenário.


O panorama pode ficar mais sombrio se forem aprovados outros 15 projetos sobre o tema, apresentados só no ano passado na Câmara e no Senado. Deles, 13 tornam a legislação ainda mais retrógrada.

Um deles, do deputado Henrique Afonso (PT-AC), cassa o direito de abortar quando a gravidez é fruto de estupro ou põe em risco a vida da gestante. Assim, o aborto legal não seria feito pelo Sistema Único de Saúde, como é hoje. Outro projeto torna a interrupção crime hediondo, sem benefícios para o preso.


Mesmo que você seja contra o aborto e que tenha certeza de que jamais irá praticá-lo deve entrar nessa discussão, já que a proibição não impede que a cada ano, conforme estimativas, l milhão de abortos sejam realizados no Brasil, sendo que 220 mil deles levam a infecções graves e perfurações no útero, entre outras complicações.


Concordar com a descriminalização não é endossar a prática como método de planejamento familiar.


Trata-se de respeitar o direito de quem pensa diferente, numa sociedade diversa e plural como a nossa. Veja os principais projetos protocolados em 2007 na câmara e no Senado e saiba por ente a discussão não avança no Congresso.


Pérolas do atraso


Já apelidado pelas feministas de bolsa estupro", o projeío da deputada Jusmari Oliveira (PR-BA) e do colega Henrique Afonso concede à mulher que não interromper a gravidez fruto de violência sexual um salário mínimo por mês até o filho completar 18 anos. "A vitima de uma violência não tem que se submeter a outra ainda maior", justifica Jusmari.


Além da alta dose de assistencialismo, a proposta é complacente com o crime de estupro e banaliza o impacto da violência sobre a vítima. O jornal do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea) publicou em seu editorial a pergunta: "Com um salário mínimo (415 reais) os autores esperam que a mulher supere o que lhe aconteceu e assuma afilho sozinha? " Na mesma linha, o senador Francisco Dornelles (PP-RJ) assina um projeto que inclui o nascituro no rol dos dependentes para dedução no imposto de renda.


O deputado Luiz Bassuma, do PT da Bahia - onde o aborto inseguro é a primeira causa de morte entre mulheres que engravidam, segundo o Ministério da Saúde -, pretende instituir com a força da lei o que não é consenso entre filósofos ou cientistas: o momento em que a vida começa. Pela proposta, a vida passará a existir no momento da concepção. Só para citar mais uma de Bassuma, também defensor do projeío do crime hediondo: quer proibir a distribuição pelo SUS e a venda em farmácias da pílula de emergência, ou do dia seguinte.


Já o projeto do bispo Rodovalho (DEM-DF) cria o registro público da gravidez. Caso aprovado, toda gestação (incluindo as indesejáveis) deverá ser registrada em cartório civil para que o pais tenha estatísticas correias". O bispo da Igreja Sara Nossa Terra duvida do ministério, que atesta que as curetagens pós-abortamento inseguro já são a segunda prática mais realizada nas unidades de internação obstétrica do SUS, perdendo apenas para o parto normal. Se depender de Rodovalho, o pré-natal e o parto serão realizados no SUS só com a apresentação do registro. Não penso em endurecer a lei, quero garantir o controle do número de gestações e de abortos. O nascituro não pertence à mulher, mas à sociedade. É uma vida, e o Estado tem que preservá-la", diz. Kauara Rodrigues, assessora técnica do Cfemea, entende que o discurso da criminalização leva em conta muito mais a possibilidade de vida representada pelo feto 6b que a vida constituída da mulher. "Não se considera se ela está sozinha, sem recursos para criar um filho, sem estrutura emocional ou se a gravidez representa a perda do emprego.


O deputado Talmir Rodrigues (PV-SP) responde por três dos 15 projetos que endurecem a lei. Ele vê conspirações mirabolantes em torno do tema: "Há um complô internacional pela descriminalização. Existe um boicote àquele que não produz e gera gastos, como os deficientes, os idosos e as mulheres grávidas". Para Talmir, o aborto, como a eutanásia, "significariam economia para o Estado".


Pressão religiosa


As bancadas ligadas a algumas religiões são cada vez mais fortes. Existem quatro frentes parlamentares contra a legalização do aborto, uma delas com mais de 200 deputados (a Câmara tem 513 cadeiras). Muitos declaram abertamente estar a serviço de sua Igreja, deixando de lado o dever de representar eleitores. Um exemplo que ilustra o fato é o parecer dado pelo relator Jorge Tadeu Mudalen ao projeto de descriminalização quando ainda estava na CSSF. Membro da Igreja Internacional da Graça de Deus, Mudalen citou palavras bíblicas do profeta Jeremias.


O juiz gaúcho Roberto Arriada Lorea, membro da Rede Ibero-America na pelas Liberdades Laicas, rebate: "Não é bom para a democracia impor a todos uma convicção religiosa particular". Ele lembra que a Constituição estabelece como direito fundamental a inviolabilidade de consciência e de crença, assegurando que os brasileiros não sofram coação estatal. Isso significa que o Estado não pode impor convicções religiosas por meio da lei." Para Lorea, deputados que afirmam que a BÍBLIA é sua Constituição estão alegando que seus mandatos têm origem divina. "A atitude não se harmoniza com o Estado democrático de direito, no qual a sabedoria popular é a legitimadora do mandato. Os deputados devem obediência à Constituição, que no artigo 226, parágrafo l", proíbe o Estado de restringir a autonomia reprodutiva."


Para a antropóloga Soraya Fleisher, uma espada paira sobre a cabeça dos defensores da descriminalização. "É como se fôssemos contra a vida, enquanto os que são pelo endurecimento da lei figurassem como pessoas a favor dela", diz. "O que queremos é que a nação perceba que a visão simplista dá a entender que, se é ilegal, as pessoas não fazem; só que isso não é verdade."


Para completar a discussão sobre religião e leis, é necessário ressaltar que, assim como é garantido aos religiosos o direito de divorciar, casar de novo e usar camisinha à revelia do catolicismo, que condena as três práticas, o Estado deve tratar o aborto sob o ponto de vista da cidadania sexual. Independentemente de ser católica, a mulher é quem deve decidir o que fazer com o seu corpo.


Tem ainda a desigualdade. O país precisa garantir direitos a todas. Se continuar como está, as brasileiras que têm dinheiro pagam caro pelo aborto seguro em clínicas bem equipadas, enquanto as pobres se submetem a curiosos e ao câmbio negro para comprar remédios abortivos.


Além de tudo, os parlamentares não podem esquecer que o país descumpre o compromisso assumido com a ONU nas Conferências do Cairo, em 1994, e de Beijing, em 1995. Nelas, o país se compro meteu a rever as legislações punitivas para as mulheres que decidem livremente interromper a gravidez.


Polémica aberta


A avalanche de projetos de 2007 foi uma tentativa de conter o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que defendeu um plebiscito sobre a descriminalização. "Fingir que isso (o aborto) não existe é uma atitude hipócrita", afirmou Temporão em abril do ano passado. A declaração acendeu o debate. Em entrevista coletiva, o presidente Lula disse: "Como cidadão, sou contra o aborto. Como chefe de Estado, sou a favor de que seja tratado como problema de saúde pública. Conheci casos de pessoas que perfuraram o útero com agulha de tricô, colocaram fuligem para ver se abortavam e elas terminaram morrendo".


A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef corroborou: "E um absurdo a não-descriminalização. Não é uma questão de foro intimo e precisa ser regulamentada".


Essas opiniões provocaram n ira de religiosos e as reações se estenderam até fevereiro, no lançamento da campanha da fraternidade. A CNBB atacou o aborto, a eutanásia, a fecundação in vitro e as pesquisas com células-tronco embrionárias. O secretário-geral, dom Dimas Barbosa, reiterou que a "Igreja considera o tema aborto inegociável".


A sociedade não assistiu calada: uma sondagem feita pelo Democratas íex-PFL) garante que 76,3% dos brasileiros são contra a ideia de descriminalizar o aborto. O resultado não condiz com a pesquisa do Ibope feita a pedido do grupo Católicas pelo Direito de Decidir, logo após a visita do papa Bento XVI ao Brasil. Em 141 cidades, foram ouvidos 2 002 católicos: 76% deles são favoráveis ao aborto legal nos serviços públicos; 47% discordam da condenação de mulheres que abortam por problemas financeiros, medo de perder o emprego e abandono do parceiro; 59% discordam do aborto em qualquer caso.


(Dês) esperança


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